segunda-feira, 15 de novembro de 2010

de pai pra filha um dia, hoje...de filha pra pai.

Lembro de muita coisa...algumas espalhadas...algumas mais unidas... outras abstratas demais...mas as recordações, nesse momento, vieram prontinhas à memória: era um sofá de tecido cor creme no qual papai permanecia sentado cutucando, organizando e revendo deliciosamente seus 437634287 vinis, verão de 19ealgumacoisa..
Eu..cacheada..pequena..corpinho branquinho, roupinha pequena, colorida e muita curiosidade...cutucava com ele, aflito por deixar em minhas pequenas mãos curiosas aquelas horas musicais em forma de uma estranha coisa redonda ...escura..e tão incompreensível pra mim – "como é que sai música disso?"- lembro muito bem..."o que papai quer me dizer?"-eu não sei...eu não sei...eu pensava não saber e hoje, revendo minha memória , vejo que foi bom não saber naquele ano..naquele verão..naquele dia...Era calor, a casa era (e continua sendo) pequena, lembro de uma dose de alguma bebida cheirosa em um copo cheio de gelo, papai ouvindo, balançando timidamente sentado ao sofá creme...aquele que saiu há muito, dando lugar ao vinho, também já habitando e sentado  por outras pessoas..outros pais, outras pequenas brancas e cacheadas...eram notas agitadamente suaves: nunca entendi muito bem o que papai ouve! Vozes femininas, masculinas...doces, ácidas, instrumentos badernados, e coisas que uma criança só entende vendo alguém bebericando a dose gelada do verão e organizando aquele grande, preto e cheio de botões..aparelho grande!..quantas vezes eu tentei derrubar? Quantas vezes eu tive sucesso? Nenhuma pra sorte dele! Hoje eu entendo..é como alguém tocar seu objeto sagrado...seu ciúme material...seu talismã.
Permaneci ali encostada em pernas longas que me balançavam num ritmo incompreensível praquele corpinho vivendo no mundo há pouco ainda. Recordo-me de imitar as pernas, os braços batucando o sofá e as próprias pernas...e dele rir de mim, segurando os braços, suspensos no ar até então...."Tour de France" sendo nomeada hilariamente...balbuciando qualquer coisa que se entendesse em um universo infantil tão colorido por aquela roupa...tão grande...tão pequeno...“o mundo é grande e pequeno”.
Lembro do levantar, andar pela casa naquele swing do verão....um hit, um sucesso....lembro dele rir, e atrás daquele riso bigodudo eu encontrar a pessoa que chamaria de “papai” (assim mesmo, no diminutivo) ainda por muitos anos (até hoje!rs). Ele andando..eu andando...esse encontros não combinados de passos grande-pequenos...de grandes e pequenas pernas pela casa...
Voltemos ao sofá..e voltamos naquele dia...permanecemos sentados, olhando aquele horizonte desorizontado figurado pelos prédios que nasciam, as poucas pessoas que moravam na redondeza andando pelas ruas vazias adomingadas, sol queimando o azulejo da varanda, as grades aprisionando a paisagem ali fora...ali ( digo ali mesmo porque é exatamente o mesmo lugar pra onde olho agora): era outra vida.
Uma outra vida...longe daquele frescor dançante daquela hora de verão que acontecia lá (aqui) em casa....
Vendo isso tudo...dançando isso tudo..vivendo isso tudo...
“O que papai quer me dizer?” ...hoje...15 anos depois...hoje! rs...talvez eu saiba e, possivelmente, compreenda: a mesma coisa que ele quer me dizer quando liga  esses dias de hoje sem saber o que dizer, mas acaba dizendo “ tá precisando de alguma coisa?”.
Hoje “tá precisando de alguma coisa?” era balançar comigo no sofá....dançar “Tour de France”, carregar-me nas pernas pra olhar o mundo ali fora... ( para onde permaneço olhando..rs).
Quanto tempo durou essa cena? Uns 2 minutos...e eternizada nessa escrita aqui, pra vocês.

Essa é pra você, pai...de quem eu lembrei hoje ouvindo “easter” e olhando pro sofá...outro hoj..também creme, por coincidência, feliz coincidência colorida....como aquela roupa...aquele diae..aquele verão.

Saudades todo dia.

Com carinho,
pra quem me chama somente pelo meu segundo nome- Carolina.

sábado, 6 de novembro de 2010

bilhete.

       Eu viveria todas as vidas.. reencarnaria sozinha todas as gerações de humanidades inteiras destruídas e afogadas pelas mãos de semelhantes..para reabrir sempre esses olhos meus e ver seres pulsantes em movimentos que mal cabem na alma, exigindo calmamente novos olhos de alegria, afeto, embalo, doçura, ritmo ou até mesmo vivendo a inútil tentativa de dizer o indizível, nomear o maior sem nome.
      O que esse som faz caber descabidamente em sua voz não existe na língua que esse mundo usa pra expressar...cada um do lado oposto à voz passa a vibrar a nota sem saber que cada outra seguinte pode virar um vida, uma outra vida, uma outra medida pra alguém já não mesmo, diferente em si, encontrado na nova harmonia.
       Quantas medidas, quantas vidas sua música criou e cria todo dia?
Talvez, e arrisco dizer nunca, saberei....mas a minha vida..a desse instante, dessa encarnação Terra, é sempre outra ao som de algo dito seu.


Com carinho
Ana Carolina


Para um abraço especialíssimo, dono de voz, simpatia  e versos descabidos...Paulinho Moska.